Cientistas chineses conseguem sintetizar em laboratório uma complexa substância antimicrobiana produzida de maneira natural por uma bactéria do solo.
As pessoas que acreditam que existem duas medicinas, uma natural e outra química, não sabem como funciona a indústria farmacêutica. As bactérias do gênero Streptomyces, habitantes do solo e amantes da vegetação em decomposição, foram historicamente uma das principais fontes de antibióticos, alguns deles tão conhecidos como o ácido clavulânico, a tetraciclina, a estreptomicina e o cloranfenicol. Não há nada mais natural que a origem desses medicamentos.
Uma equipe de cientistas chineses anuncia agora outro potencial candidato a entrar para essa lista, a albomicina delta-2, uma molécula que chegaria num momento crítico. Um relatório elaborado para o Governo britânico informa que as superbactérias – imunes aos fármacos conhecidos, por causa de mutações espontâneas – matarão 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050, quase dois milhões de mortes a mais que as provocadas pelo câncer.
A história da albomicina delta-2 mostra como é dificílimo desenvolver um bom antibiótico. As albomicinas foram isoladas pela primeira vez depois da Segunda Guerra Mundial, em 1947, a partir de outras bactérias do solo, as Streptomyces griseus. Chegaram a ser “utilizadas com sucesso para tratar infecções bacterianas na União Soviética”, segundo a equipe do químico Yun He, da Universidade de Chongqing, no centro da China. Em 1955, o biólogo russo Georgii Frantsevich Gause já se gabava de que o antibiótico soviético era especialmente efetivo contra pneumonias infantis e em complicações derivadas da disenteria e do sarampo.
O grupo do Yun He conseguiu agora sintetizar em laboratório uma destas albomicinas, a delta-2 (d2, na notação científica). “Os produtos naturais são quimicamente endiabrados. São enormes e, frequentemente, são tão complexos que não se pode trabalhar com eles”, explica o microbiologista Domingo Gargallo-Viola, presidente da Associação para o Descobrimento de Novos Antibióticos na Espanha. “A albomicina delta-2 é muito grande, e conseguiram sintetizá-la. Isso em si já é um marco, porque poderão tentar introduzir mudanças para melhorar suas características antibióticas”, comemora o especialista.
No ano passado, a Organização Mundial da Saúde alertou sobre a necessidade “urgente” de novos antibióticos contra 12 famílias de supermicróbios perigosos para o ser humano, como o Streptococcus pneumoniae sem sensibilidade à penicilina e o Staphylococcus aureus resistente à meticilina. A equipe de Yun He demonstrou que sua albomicina delta-2 sintetizada em laboratório é eficaz contra essas cepas bacterianas isoladas de pacientes reais de hospitais chineses. A molécula é 16 vezes mais eficaz que o antibiótico ciprofloxacino contra uma cepa agressiva do Staphylococcus aureus resistente à meticilina, uma bactéria que pode provocar infecções muito graves em pessoas com câncer ou submetidas a diálise renal.
A equipe de Yun, que publica sua descoberta nesta terça na revista Nature Communications, afirma já ter iniciado mais estudos para garantir a eficácia e a segurança da albomicina delta-2 como antibiótico. Em 1955, o soviético Gause relatou que suas albomicinas produzidas por bactérias haviam sido testadas “com injeções intravenosas de grandes doses em animais”, sem que fossem detectados problemas cardíacos ou respiratórios. “A ausência completa de toxicidade no ser humano está também demonstrada por uma abundante prática clínica durante vários anos”, afirmava um otimista Gause em um artigo publicado na revista especializada British Medical Journal.
“Resta ver aonde chegam com os programas de otimização da albomicina delta-2 em laboratório”, acrescenta Gargallo-Viola, diretor-científico da ABAC Therapeutics, uma empresa espanhola que busca novos antibióticos para combater cepas multirresistentes, como as do Acinetobacter baumannii. Esse micróbio foi o culpado pelo pior surto bacteriano já registrado num hospital espanhol. Entre 2006 e 2007, matou 18 pessoas no Hospital Universitário 12 de Outubro, em Madri.
Há quatro meses, a Sociedade Espanhola de Doenças Infecciosas e Microbiologia Clínica informou que mais de 35.000 pessoas afetadas por bactérias multirresistentes morrem a cada ano nesse país europeu. Suas estimativas incluem idosos infectados por supermicróbios, mas que podem morrer por outras causas, como um câncer terminal. O último relatório europeu, entretanto, fala em 25.000 mortes por ano em toda a UE por causa da resistência aos antibióticos.